21.3.04

Amanhã


Amanhã
Outro dia
Senão hoje
Qualquer dia
Faz a lição
Constrói a rotina
Tens Obrigação?
Segue a sina
Vira a esquina
Cai na matina
Ouve outra ladainha
Engole revolta
Ofende a bela-morte
Cuspe de volta
Se diz forte
Chora a solitude
Queixa-se da sorte
Engenha atitude
Pula na fé
Recebe o banal
Foge do cifé
Apanha luxúria
Corre sem alcançar
Rí da lamúria
Atrasa a brisa
Contesta o passado
Tenciona o futuro
Desaparece o presente
Alimenta o destino
Acaricia sua vacina
Volta-se ao leito
Sonha acordar
E, amanhã
Outro dia
Mais um dia.

14.3.04

Religião

Se o mundo não está certo, então este é o maior erro que a humanidade já cometeu. Se o inexplicável for desvendado, o erro virará o caos. Se o provável nascer de uma tempestade, então a guerra virá, e a vida sucumbirá diante sua falsa crença. Se é certo ou não, apenas aquele que tem na fé sua maior força, pode descobrir... ou camuflar a verdade de si próprio. Não irei desperdiçar palavras levantando questões já discutias por bardos ao longo do tempo, mas sim traçar um provável caminho para qual caminhamos. O mesmo cristianismo que venceu as antigas crenças perdura com sua inabalável força, ainda que transmutado em suas próprias crias. Ele está em praticamente todos os lares, culturas e coexiste com nosso dia-a-dia. Há aqueles que ajoelham clamando ao Deus em seus próprios recintos, outros se reúnem em bandos, muitos vão até a igreja propriamente dita, enfim, a forma de cutuar Deus está muito flexivel na atualidade. Porém, parece estar havendo epidemia de um vírus chamado Igreja. Reparem: o lugar antes visitado por bêbados hoje se transformou em uma salão com Jesus Cristo pendurado na parede. E ele ainda carrega a cruz. O coitado, mesmo depois de morto, ainda sofre por nós. No caminho para minha casa, sou obrigado a escutar cantorias, gritos, gemidos, orações sem sentido e outras coisas disparatadas. Não é mais um convite, é uma ordem vinda dos céus e quem não obedecê-la arderá eternamente nos chamuscos do inferno. Já sinto-me queimando. A epidemia se espalhe e, diante dela, surgem profetas, mensageiros de Deus e anjos em forma de carne podre que parecem disputar entre si, e quem vencer a discussão de quem fala mais alto terminará com uma gorda conta no banco. E este absurdo só aumenta porque os humanos são mais absurdos ainda. Do outro lado do rio, hão doutrinas que já perduram por algum tempo e criaram fortes raizes na terra abençoada. Uma destas, eu, de certa forma, creio e já frequentei e muito suas belas fortificações. Mas percebi que, além da fé, da caridade e bondade, há algo mais forte: a estupidez humana de corromper a suas próprias entranhas. Confesso que muitas vezes fiquei comovido diante uma aparente força que me tomava, mas, na maioria das vezes, deparava-me com palavras contraditórias, sentimentos egoístas, a superioridade estampada no tolo riso, a caridade tentando desculpar os erros, o isolamento (e preconceito) ao mundo que alí não pertencia e a mentira, para improvisar quando não havia a verdade. A doutrina deveria ser rígida, e até é aplicada como tal, porém como algo antigo pode sobreviver diante as modernidades e vaidades do mundo? Não há nada que possa suportar a pressão das culturas, que se alteram de esporadicamente. Só os tolos não percebem que as doutrinas estão sendo alteradas pelos jovens, da mesma forma que já foram alteradas pelos nossos antepassados. Desta forma, as doutrinas se rompem, criam novas crenças, engenham novas comunidades, pregam novos costumes e confrontam entre si - quem vencer recebe um pedaço de moradia no céu. A igreja está dando boas vindas ao caos que ela tanto repreende. A igreja está tomando coquetéis com o ganha pão dos tolos que a reverenciam. A igreja está esquecendo o que sempre defendeu e apelando para a mesquinharia que assola o mundo. Em breve, o que existe hoje se tornará lembrança, e os que lembram não estarão vivos para contar. Se algo é certo, se diluirá nas mentes corrompidas dos futuros pregadores. E se a epidemia tornar-se visível à grande massa estúpida, haverá motivo para uma guerra entre as nações. Se há uma balbúrdia que possa envolver todo o globo, esta certamente anda de mãos dadas com a religião. E tão logo o todo cairá diante a crença de sua própria existêcia. O início e o fim, sobretudo, serão a mesma coisa.